THEATRO MUNICIPAL RJ: SEM VERBAS FEDERAIS, CASA PODE FECHAR EM DOIS MESES.

Músicos e bailarinos do Teatro Municipal se apresentam em frente à casa como protesto pelos salários atrasados - Gabriel de Paiva

Com salários atrasados e sem o 13º do ano passado, funcionários protestam na rua.

Por Nelson Gobbi

RIO - Ana Botafogo saúda, emocionada, o público que toma a frente do Teatro Municipal, na Cinelândia. Os aplausos da multidão, contudo, desta vez não reverenciam a técnica da primeira bailarina e diretora artística do balé do Municipal. As palmas vêm em solidariedade aos músicos, bailarinos e funcionários da casa, que realizaram ontem, ao meio-dia, um concerto público em protesto ao atraso dos dois últimos ordenados e do 13º salário, além das condições estruturais e de segurança do espaço.
— Queremos fazer mais para o público, levar beleza à vida das pessoas, mas infelizmente não temos mais condições. Desde dezembro estamos fazendo o máximo com os recursos limitados de que dispomos, fizemos lindas apresentações de “O quebra-nozes”, mesmo sem dinheiro nem para as ceias de nossas casas. Da cortina para dentro, ninguém sabe o que passamos. Não dá mais para fechar os olhos para esta situação, chegamos ao limite do limite — frisa Ana Botafogo.
Para o secretário de Cultura e presidente do Teatro Municipal, André Lazaroni, esta situação só terá solução com a ajuda federal que está sendo negociada em Brasília. Lazaroni, que também é deputado federal pelo PMDB, não vê outra solução para a continuidade das atividades do Municipal sem o repasse de verbas federais.
— Sem a ajuda federal, o teatro terá como se manter no máximo por dois meses. O apoio ao Estado do Rio precisa avançar rápido, não chegaremos até julho nesta situação. Espero que a manifestação dos músicos e bailarinos ajude a sensibilizar nossos parlamentares, já não é mais uma questão de situação ou oposição. Para vencer a crise temos que repensar o pacto federativo, o quanto se arrecada para o governo federal e o quanto volta para os estados — ressalta Lazaroni, que acompanhou o concerto nas escadarias do Municipal.


Mesmo em meio a dificuldades financeiras e estruturais, os músicos, bailarinos e profissionais da casa querem evitar a todo custo a interrupção das atividades no teatro. Presidente da Associação da Orquestra do TMRJ, o violinista Ayran Nicodemo diz que os músicos tentam fazer o máximo para manter a programação clássica da casa e o contato com o público.
— Parar seria a pior coisa que poderia acontecer, tentamos a todo custo evitar que isso aconteça. Sabemos que se o corpo artístico parar, a casa vai manter suas atividades, cedendo o espaço para produções e eventos de fora. Nossa preocupação é que o Municipal vire apenas um teatro de aluguel, sem relação com a música e a arte que nos dedicamos tanto para desenvolver. Hoje vemos um projeto claro de sucateamento da cultura, e só conseguiremos enfrentá-lo com o apoio que recebemos da população e de diversos segmentos da sociedade — comenta Nicodemo.


O repertório selecionado para o concerto reuniu temas que são constantemente interpretados pelos músicos e, ao mesmo tempo, mais conhecidos do grande público, como “Jesus alegria dos homens”, de Bach; “Habanera”, da ópera “Carmen”, de Bizet; e “Ode à alegria”, da Nona Sinfonia de Beethoven. A apresentação teve início com o Hino Nacional e foi encerrada com a marcha “Cidade Maravilhosa”. Oswaldo Carvalho, um dos três maestros a reger o concerto, ao lado de Sammy Fuks e Jésus Figueiredo, diz nunca ter presenciado uma situação tão difícil desde que ingressou na casa, em 1981, na Orquestra Juvenil.

— É uma situação quase humilhante, para quem dedica a vida integralmente à arte, viver uma situação como esta, de precisar recorrer a empréstimos ou até a doações para sobreviver. Nenhum dos artistas que está aqui dedicou menos de dois, três anos para conseguir ser selecionado e manter uma alta performance. Já enfrentávamos uma forte falta de recursos, mas não imaginava que poderíamos chegar a este ponto. É muito difícil para tantos chefes de família, que têm orgulho do que fazem, ter de encararem os filhos passando dificuldades em casa — protesta Carvalho.
Produtor e ex-diretor artístico do Teatro Municipal, Fernando Bicudo esteve presente à manifestação e lamentou a situação que o espaço e seus profissionais atravessam no momento.
— Este concerto é um pedido de socorro que deveria ecoar em todo o país — observa ele. — O Teatro Municipal do Rio é a joia da coroa da cultura brasileira, e não pode ser visto como algo menos importante. É o maior atrativo cultural do Rio. Além das perdas para a cultura e o turismo, o Municipal tem um valor incalculável para a história da cidade.

Nelson Gobbi, para O Globo

Fonte: https://oglobo.globo.com/cultura/musica/teatro-municipal-sem-verbas-federais-casa-pode-fechar-em-dois-meses-21317775

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